segunda-feira, 30 de outubro de 2017



A Serpente e a Eva.

Hoje deu-me para cogitar na serpente e no seu simbolismo metafísico. Na serpente e na sua representação sibilante de uma língua bifurcada propícia a traições em surdina para satisfação de egos mal paridos e pretensiosamente auto sobredimensionados.

A serpente, desde logo no livro do Génesis, surge como o elemento aliciador para que o simples e puro Adão se veja coagido a trincar a maça proibida (o fruto do conhecimento, da noção do bem e do mal) e, em consequência, forçado a abandonar o paraíso. Aí, a Eva surge enquanto elemento catalisador da pérfida sugestão “gourmet” da serpente: “- Toma, come e delicia-te com esta deliciosa maçã”. Com esta sugestão de iniciativa comportamental, a serpente e a Eva apresentam-se na génese do pecado inicial tornando-o decididamente indelével para a vida dos humanos.

E assim sendo, o pecado original fica connosco. Talvez mais com uns do que com outros. Mas lá que fica … fica mesmo.

Fica mesmo entranhado, esse tal pecado original, e, mesmo com batismos e outros exorcismos, permanece sempre presente nos confins do baú armazenador do material instintivo recalcado. Daí que, quando em presença de um novo (e eventualmente estranho) contexto relacional, o controlo racional se esvai um pouco, deixando emergir esse conteúdo subconsciente.

Passamos a ser forçados a abrir as antenas da desconfiança e, ao mesmo tempo, impelidos a descortinar, no contexto em causa, onde se encontra a maliciosa Eva e a pérfida serpente. Contexto esse que, no limite, tresanda a ódio e a traição e em consequência, force o êxodo do paraíso e o abandono da zona de conforto. Mas, tal como Adão, esse abandono carrega obrigatoriamente a mala do conhecimento e da noção do Bem e do Mal, afinal os ingredientes decisivos para uma vivência salutar entre os demais.

Rui Pereira de Freitas
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